Modernidade, dependência e por que eu não uso o Tinder
Inicialmente, a ideia parece ótima: um aplicativo que te oferece ao toque do dedo um cardápio humano, selecionando, de acordo com seu gênero-alvo, possíveis parceiros sexuais e/ou amorosos. Inovador! Sem sair de casa, é como se você estivesse na balada e pudesse interagir com todas as pessoas que quisesse - caso elas quisessem também, princípio fundamental do aplicativo, que deveria ser princípio fundamental da vida - e decidir, já depois de um tempo de conversa, quem quer ver de novo, quando e como.
Aí é que está, para mim, o problema. Por que não procurar, de fato, então, a experiência real, ao invés do substituto tecnológico da interação? Por que apelar a um aplicativo para falsear uma interação que poderia ocorrer mais naturalmente no dia a dia, através do olhar, da voz, do rosto verdadeiro (e não da fotografia de perfil)?
Porque essa experiência, na vida real, é frustrada. As pessoas interagem cada vez menos fisicamente. Eu digo isso baseada apenas na minha percepção individual: com mais ou menos oito anos de estrada em festas noturnas, cada vez menos as pessoas têm a audácia e a coragem de - veja só - educadamente puxar conversa em ambientes de socialização. No lugar disso, ficam escondidas atrás dos espertofones, dependentes deles, escravizadas pelo toque da mensagem e se sentindo mancas, nuas, sem seu apoio ininterrupto, 24 por 7.
Eu tenho a sensação de que hoje ninguém se olha na cara. Ou, se olha, é só pelo tempo suficiente pra gravar nome e feições e procurar o perfil do outro na internet. E esse sim, é analisado, destrinchado, olhado frente e verso atrás de qualidades e defeitos que estavam ali todas disponíveis pessoalmente, mas que necessitavam de investimento... De conversa, de papo, de paciência.
Não temos mais paciência. Queremos descobrir ontem por que não devemos ficar com determinada pessoa. Precisamos conhecer ontem todos os segredos, gostos, defeitos e maravilhas daqueles com quem temos medo de interagir. Temos medo de olharmos uns pros outros e não termos nada mais a dizer porque tudo já foi dito, ou mostrado, ainda que de modo falso, totalmente artificial.
Tentar conhecer uma pessoa enquanto vivemos nossa vida parece algo impossível em 2015. Em 2005, quando eu estava no Ensino Médio e a maior tecnologia disponível era o DiscMan, que demorou pra evoluir pros primeiros pendrives com menos de 1GB de memória, eu não sentia essa dificuldade. As pessoas estavam ali e eram OBRIGADAS a estarem ali. Não tinha a opção da fuga. Fuga para o Facebook, para as mensagens do Whatsapp, para o Instagram e as hilárias listas do BuzzFeed.
E não que esses aparatos não sejam úteis ou divertidos. São! Muito! Mas tenho a sensação de que eles retiraram a diversão do resto. Só quem interage virtualmente interage de verdade. Digo mais: só quem interage virtualmente é gente. Quem não tem Facebook, ou tem rabo preso ou deve ser uma pessoa muito esquisita mesmo...
Alguns amigos discordam de mim. Dizem que essas tecnologias são uma plataforma a mais para facilitar a vida. O Tinder principalmente. Ele elimina o constrangimento de flertar em público. Um amigo me disse que, conforme envelhecemos, ficamos menos expostos a pessoas novas, e um aplicativo que simplifica a vida assim é uma coisa ótima, um catalizador das relações humanas. Leva a gente direto ao ponto.
Mas será que a graça é essa? Será que o objetivo é esse?
A substituição das experiências reais pelas virtuais tirou do flerte a maior emoção: o conflito, o duvidoso, o misterioso. Por trás das telas brilhantes, as pessoas nem levantam os olhos pra ver ao redor passarem as mesmas pessoas que desfilariam no catálogo descarado do Tinder. E deixam que elas vão embora. Aí, reclamam que não conhecem ninguém e voltam pro aparelho, obstinadas a encontrarem seus amores verdadeiros paralisados em fotografias cheias de efeitos e vazias de defeitos e significados.
Eu não vejo a menor graça. Tentei o Tinder, e ressalto que, de fato, ele funciona. Ele te leva exatamente aonde você quer ir. Mas a passagem é breve, rápida e extremamente mecânica. Como se você estivesse comprando uma cortina e visse todos os modelos disponíveis, e não uma pessoa, esférica, complexa e intensamente única.
Prefiro insistir na frustração de sair à rua, às festas, às bibliotecas, à faculdade, ao trabalho, esperando olhar pra frente e trombar com olhos humanos fixos nos meus, em vez de cabisbaixos, conferindo as atualizações frenéticas de seu aplicativo simulador... Que saudades de jogar The Sims!
PS: o texto ficou uma porcaria porque não consegui me concentrar em escrevê-lo com meu celular apitando o tempo todo.
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