A dor que cabeça que não sara
"Se eu te achei linda de cachecol, imagina o que os caras não devem dizer pra você nesse verão, você de shortinhos".
Pronto. Foi o suficiente para a minha paciência, que já estava curta graças à insistência inconveniente do cara que acabou me dizendo isso, estourar. Eu não só me senti um pedaço de carne, mas um daquelas bem baratas - já que os caras, todos, todos eles, devem dizer isso aí pra mim toda hora.
Foi o estopim para um esculacho virtual, via Whatsapp, que - espero eu - terminou com uma série de conversas pseudo-românticas mas com um cunho de objetivação enorme.
A mulher é vista como um produto a ser consumido e que, portanto, deve satisfazer necessidades e vontades do consumidor, doravante o homem. Nesse caso, como a vontade do homem era ter à disposição pernas e coxas fartas para olhar (e quem sabe dar aquela encoxadinha disfarçada no metrô), a requisição foi bem objetiva: gosto do verão porque as mulheres usam shortinhos.
Não porque estão com calor. Não porque estão confortáveis. Não porque gostam da peça de roupa X ou Y (já desconsiderando todas as maldades da mídia por impor determinadas roupas que só servem a um tipo de beleza). Não porque simplesmente são livres. Apenas para satisfazer uma necessidade.
Talvez essa conversa tenha sido a responsável pela minha grande procrastinação do dia - não que eu precisasse - e por reforçar a dorzinha de cabeça que já me incomodava o dia inteiro. Motivo? TPM. Sim, porque além de tudo, temos que lidar com empecilhos físicos mensalmente que são considerados, muitas vezes, frescura. Com ela, a tristeza, o arrependimento, o "eu estou uma baleia" aparecem e deixam a gente mais vulnerável a esse tipo de cara, a esse tipo de papo, que parece lisonjeiro mas na verdade só colabora para destruir, cedo ou tarde, a nossa autoestima.
Sim, porque não importa o que eu penso sobre verão ou inverno, sobre as roupas que eu uso ou nem mesmo se o tal cara já me viu ou não de fato de shortinhos, ou se um dia vai. Só importa a demanda do consumidor, só importa o objetivo final, haja a dor que houver, reforçada, sempre, como uma dor de cabeça da TPM que não passa com remédio, uma dor recorrente que você sabe que vai voltar no mês que vem, na esquina que vem, na aula que vem, todo dia, durante toda a sua vida, dizendo que roupa você vai usar e por qual motivo. E se reclamar, vira a chata do feminismo - como eu tenho me nomeado, ultimamente.
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