Cê parece um anjo, só que não tem asas...

Imaginei hoje uma vida que fosse diferente.
Qual o sentido desta busca insana pelo sucesso? O trabalho consome a alma, e o que deixa são restos, praticamente insuficientes para que a vida em si seja vivida. Já diziam os conformados: "não existe trabalho ruim. Ruim é ter que trabalhar". De fato, mas trabalhar em busca de que?
Alguns sonhos consumíveis ou comestíveis são compráveis também, fúteis ou não, mas alimentam as esperanças da batalha daqueles que dão um tímido sorriso no dia 5. E choram já no dia 15, quando assinam o papel-cebola, mas do salário mesmo só resta a sombra. Não é fácil: cobrança, ritmo, animação, pontualidade, responsabilidade, autonomia, autoridade, conhecimentos avançados, e... Muito mais.
Porque as cobranças da vida vão progredindo, mas nem sempre é possível chegar lá sem dor. Aliás, é quase impossível.

É como um aluno novo na academia. No começo, a dor é intensa e os exercícios não chegam à perfeição que os outros alunos conseguem alcançar. Com os meses passando e as estações do ano abrindo-se em largos sorrisos, a dor persiste, suave e constantemente, mas o aluno se acostuma a sofrer, se acostuma a forçar seus músculos.
Na aula de alongamento, a mão que tocava os tornozelos com delicadeza nas primeiras aulas, apenas encostando o perispírito da ponta da unha, com muita dor e sofrimento após algumas aulas já puxa as solas dos pés. O aluno se acostuma a forçar seu corpo, se acostuma com as dores, se acostuma com o sofrimento e se desdobra e estica cada vez mais para se encaixar em um padrão.

Mas há benefícios. A busca pelo corpo perfeito, pelo emprego perfeito, pela vida perfeita... Nada disso seria possível sem DOR, a segunda melhor professora depois do AMOR, que anda em falta ou talvez esteja por aí, em algum lugar, esperando com o brilho no olhar o tempo passar.
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É difícil mudar o mundo. Mais difícil que isso é mudar a si próprio, principalmente depois de viver preso sob grades pré-programadas.
Mas... por sorte, trabalho demais não significa vida de menos. Nem sempre. Significa auto reconhecimento, significa conhecer seus defeitos e qualidades e, principalmente, perceber que não somos feitos de vidro, nem de açúcar: não quebraremos e não derreteremos por qualquer besteira. Somos fortes, braço firme, queremos ir longe. Isso não tira de nós a cervejinha de sexta-feira, e muito menos as paixões inesperadas que surgem. Imprevisíveis, inconsequentes, avassaladoras.

Vivemos a dor, o trabalho, o desgaste físico. E o que resta é uma versão de nós calejada, pronta para viver VINTE E QUATRO HORAS. Aproveitando os momentos de lazer e de folga, que são poucos, mas intensos. Como toda a vida deve ser.


"Cê parece um anjo
só que não tem asas
ô meu Deus, quando asas tiver
passe lá em casa


e ao sair
às estrelas eu vou te levar
com a ajuda da brisa do mar te mostrar onde ir


e ao chegar
apresento-lhe a Lua e o Sol
e no céu vai ter mais um farol
que é a luz do teu olhar"

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