Meninice

Acordei com a brisa leve que entrava pela janela. Mal sabia eu tudo que me aconteceria naquele dia. Olhei para o bidê ao lado da cama e observei mais uma vez aquele porta retrato. Era Clarice e eu, Coração e eu, Amor e eu, Perdição e eu.
Olhar para ela assim, estática, me lembrava aquele começo, que já contei, quando ela era apenas um vulto, e eu outro, e juntos éramos mais que almas gêmeas, éramos prometidos sem saber.
Levantei da cama e abri a janela. Que falta Clarice fazia! Claro que eu não pensava só nela o tempo todo, mas saber que ela estava lá, em algum lugar lá fora, sem nem querer lembrar do meu rosto, me deixava com ainda mais ansiedade de encontrá-la. Por que mesmo tínhamos brigado? Ela não lembrava também.
Ligo pra ela? Não ligo.
Ligo? Não.
Ah, talvez eu ligue.
Toca o telefone. Atende uma voz rouca, voz de choro, voz cansada, aquela doce voz que eu ouvi pela primeira vez e nunca mais quis deixar de ouvir, nunca quis lembrar, pra não ter que me distanciar o suficiente pra correr o risco de esquecer.
- Clarice...
- Ah não, mas é você de novo?
Duas horas na linha e uma buzina depois, lá estava eu, no carro com Clarice.


(...)

Comments

Anonymous said…
Ainda acho que Clarice fica melhor com dois ésses: Clarisse. Muy belo.

Popular posts from this blog

O dia em que o MSN parou

Motoboys ensandecidos e Chico Xavier

Permita-se a normalidade